Dia Mundial da Poesia


Estimados leitores, hoje as ruas de Portugal encheram-se de rimas, poetas e poetizas para comemorar o Dia Mundial da Poesia. E é por isso mesmo que a Trendy Pages vos dá também um cheirinho a Poesia! A origem da comemoração deste dia remonta a novembro de 1999, ano em que a UNESCO reconheceu a importância do papel da poesia nas artes e culturas ao longo dos tempos em todo o mundo. Este dia é celebrado em mais de cem países e um dos principais objetivos é recuperar algumas das tradições orais como as declamações de poemas, algo que tradicionalmente ocorre em diferentes espaços culturais a nível mundial. O dia 21 de Março de 2000 foi o primeiro Dia Mundial da Poesia. 

Assim sendo deixo-vos o poema que, para mim, é um dos mais intensos poemas da literatura de língua portuguesa, de uma força avassaladora e, por isso mesmo, é um dos meus poemas de eleição. “Cântico Negro”, de José Régio. Deixo-vos também uma interpretação, a meu ver, brilhante, de João Villaret. Apreciem, inspirem-se e espalhem muita poesia amanhã! Boas Leituras! 

“Cântico Negro”, José Régio

"Vem por aqui" - dizem-me alguns com os olhos doces
Estendendo-me os braços, e seguros
De que seria bom que eu os ouvisse
Quando me dizem: "vem por aqui!"
Eu olho-os com olhos lassos,
(Há, nos olhos meus, ironias e cansaços)
E cruzo os braços,
E nunca vou por ali...

A minha glória é esta:
Criar desumanidade!
Não acompanhar ninguém.
- Que eu vivo com o mesmo sem-vontade
Com que rasguei o ventre a minha mãe

Não, não vou por aí! Só vou por onde
Me levam meus próprios passos...

Se ao que busco saber nenhum de vós responde
Por que me repetis: "vem por aqui!"?

Prefiro escorregar nos becos lamacentos,
Redemoinhar aos ventos,
Como farrapos, arrastar os pés sangrentos,
A ir por aí...

Se vim ao mundo, foi
Só para desflorar florestas virgens,
E desenhar meus próprios pés na areia inexplorada!
O mais que faço não vale nada.

Como, pois sereis vós
Que me dareis impulsos, ferramentas e coragem
Para eu derrubar os meus obstáculos?...
Corre, nas vossas veias, sangue velho dos avós,
E vós amais o que é fácil!
Eu amo o Longe e a Miragem,
Amo os abismos, as torrentes, os desertos...

Ide! Tendes estradas,
Tendes jardins, tendes canteiros,
Tendes pátria, tendes tectos,
E tendes regras, e tratados, e filósofos, e sábios...
Eu tenho a minha Loucura !
Levanto-a, como um facho, a arder na noite escura,
E sinto espuma, e sangue, e cânticos nos lábios...

Deus e o Diabo é que guiam, mais ninguém.
Todos tiveram pai, todos tiveram mãe;
Mas eu, que nunca principio nem acabo,
Nasci do amor que há entre Deus e o Diabo.

Ah, que ninguém me dê piedosas intenções!
Ninguém me peça definições!
Ninguém me diga: "vem por aqui"!
A minha vida é um vendaval que se soltou.
É uma onda que se alevantou.
É um átomo a mais que se animou...
Não sei por onde vou,
Não sei para onde vou
- Sei que não vou por aí!

2 comentários:

Ana Marcelino Cruz disse...

O meu poema preferido de SEMPRE!

Cheila disse...

Também o meu Ana! :) É qualquer coisa de arrepiante. Obrigada pelo comentário. beijinhos! Cheila