Tem a certeza que calça os melhores ténis possíveis para correr?
Espero que a imagem tenha chamado a atenção do leitor. É caso para isso. Chamam-se Ampla Fly e a premissa por detrás da sua concepção é diferente de tudo que há. E possivelmente a mais correcta, entre todas as marcas que têm ténis de corrida no mercado.
A Passada e a corrida
A biomecânica da passada é algo extremamente complexo. O pé possui ao todo 26 ossos articulados entre si, sem contarmos com a Tíbia e Perónio que formam a articulação Tibio-Társica (comumente apelidada tornozelo), eixo de união entre o pé e o restante corpo. A forma das superfícies articulares é portanto uma das características que dita o formato de cada pé, as nuances nas amplitudes de movimento disponíveis bem como a forma como o pé se move.
Entre os corredores, sejam mais ou menos veteranos, há muito que é comum discutirem-se assuntos como o tipo de passada, e as marcas desportivas têm-no aproveitado plenamente com a inclusão de ténis com as mais diversas características. Só que o que determina se um calçado é mais ou menos eficiente vai muito mais além do que essa discussão. Isso é só a ponta do iceberg.
No fundo, os ténis, são o único equipamento que de facto influência a nossa própria mecânica corporal de uma forma global, porque são o elo de ligação entre o corpo e o chão, moldando repetitivamente a resposta da força que imprimimos no solo em cada contacto.
Quando, há milhares de anos, o ser humano corria descalço, a cada passada, o pé determinava directamente a forma como o corpo respondia ao solo que encontrava, sem os ténis intermediários que hoje temos, para alegada protecção das nossas articulações e pele.
Assim, o que existe hoje em dia, é calçado adaptado a algumas características mais frequentes dos pés, para protecção, sem grandes preocupação com a eficiência e eficácia da passada propriamente dita.
Atenção, não é que o calçado ao nosso dispor não tente fazê-lo, mas a biomecânica da passada é extremamente difícil de replicar num ténis – e é única para cada pé de cada um de nós – sendo necessária muita investigação científica para atingir esse patamar de exigência. O que representa bastante investimento por parte das marcas, numa área em que a evolução das características têm estado mais dependentes do marketing e das modas(1) do que da evidência científica como seria desejável.
De qualquer forma, o calçado contemporâneo, avançou bastante,
sobretudo nos últimos anos, com o advento de um paradigma de estilo de vida
saudável, a moda da corrida (ou running
como muitos lhe chamam – mas por favor usem o Português e evitem anglicismos
desnecessários) e a democratização de material de corrida específico.
No entanto, só agora, parece ter surgido um calçado preocupado com aquilo que é o pilar central da locomoção humana, e convenientemente, o mais importante para um corredor: a eficiência energética.
E em que se traduz essa “eficiência energética”?
Como terá visto pela fotografia, a forma da sola deste ténis foge ao convencional a começar na sua constituição de carbono. Com efeito, aquela língua, tem como intuito amortecer e captar a energia decorrente do contacto com o solo, na altura denominada “Fase Média de Apoio”,
Ampla ForcePower, a sola em carbono que diferencia este calçado transferindo-a até ao “Inicio da Fase Oscilante”, ou seja, quando o pé se começa a destacar do chão para levantar.
Isto mimetiza aquilo que acontece de facto no pé, perna e em ultima análise, no corpo: o ciclo de alongamento-encurtamento. Cada vez que damos um passo, sobretudo os gémeos esticam como se de um elástico se tratassem, e tal como estes, voltam á sua forma original qual mola, quando retirada a força. Obviamente que também há contracção muscular, mas é este mecanismo que permite á locomoção humana ser tão eficiente, com um baixíssimo dispêndio energético, e não ficarmos exaustos em algo tão elementar como andar. Agora, durante a corrida, tente imaginar este mecanismo, estendido a músculos como o quadricípite e muitos outros acima do tornozelo.
A grande vantagem dos Ampla Fly parece então ser efectuar a melhor transmissão e aproveitamento possível destas forças, onde os restantes ténis se preocupam sobretudo com o amortecimento e alguma desta força se acaba por dissipar na passada, não sendo aproveitada pelo desportista legitimamente. Numa maratona, um atleta de elite dá cerca de 24,300 a 27,000 passos. Um corredor amador, cerca de 38,250 a 43,350. Seja qual deles for, numa tão avassaladora quantidade de passos, pouca que seja a energia desaproveitada em cada passo, torna-se muita no final.
Agora, tal como os seus criadores avisam, este ténis não é para todos. Eles parecem promover o ideal alinhamento e gesto técnico do pé, o que pressupõe previamente, um bom domínio na sua execução e boa preparação física. Na prática, o corredor tem de ser capaz de correr às custas da musculatura correcta para o momento da passada em está (e.g. quando o pé está no chão o médio glúteo deve estar a contrair para não deixar cair a bacia).
Portanto, este não será certamente um ténis para amadores e iniciados. E mesmo os já veteranos poderão beneficiar de uma avaliação com um Fisioterapeuta para identificar algumas disfunções musculares eventualmente existentes, mesmo que o julgue impossível. Poderá surpreender-se.
Portanto sim, poderá correr mais rápido e fazer as distâncias em menos tempo, mas terá de saber o que está a fazer.
Será que não é batota utilizar um ténis como este?
É uma questão bem pertinente. Talvez. A maior duvida que tenho é para já apenas essa; até que ponto este ténis não representam um espécie de “doping”, em forma de equipamento.
Se por um lado os ténis de corrida existentes, de alguma forma, desperdiçam alguma da energia potencial de cada passada, como garantir que os Ampla Fly, no extremo oposto deste raciocínio, não vão estar a transmitir mais energia do que aquela que é produzida pelo peso da passada do atleta? É preciso perceber se aquela “língua” de carbono, na sola, transmite apenas a força que lhe é colocada em cima ou se a potencia quando estica. É uma questão semelhante à existente na natação, com os tecidos utilizados na confecção dos materiais, por permitirem um deslize mais fácil em comparação com a própria pele do nadador, originando restrições apertadas. Será interessante ver a recepção deste equipamento por parte dos órgãos reguladores da modalidade.
Parecem também estar programadas incursões semelhantes no calçado para outros desportos. Mas mais importante que essa expansão, é de extrema importância que se realizem estudos científicos no sentido de confirmar as vantagens que este e os restantes tipos de ténis existentes têm sobre a incidência e prevalência de lesões, sob pena do público continuar a escolher com base na cacofonia sobre o tema. Ao contrário do que se possa pensar, e como referi anteriormente, não há quaisquer dados que sustentem as vantagens reiteradas por qualquer uma das marcas sobre quaisquer uns dos seus modelos.
Até lá, vamos continuar a ter de fundamentar a escolha de calçado baseado, sobretudo, na experiência de cada um, e nomeadamente no aconselhamento de um Fisioterapeuta ou profissional do Desporto.
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