O que se passa com os alongamentos?


Fazem parte, ou deveriam fazer, da rotina de praticamente todos aqueles que praticam exercício físico, mas também dos que não fazem. Afinal de contas a profissão de cada um, seja ser atleta, ou uma que implique passar um dia à secretária coloca altíssimas exigências no corpo humano, cada uma à sua maneira. Um futebolista que treine 300 remates por dia não tem uma exigência necessariamente superior àquele que faz 3000 cliques no rato. Muito provavelmente até atravessará a época sem lesões, enquanto o “atleta de escritório”, ao fim de 2 semanas estará a telefonar ao fisioterapeuta.


Os alongamentos são excelentes meios de se ir corrigindo ou retardando o aparecimento de algumas disfunções do movimento que decorrem do dia-a-dia. Mas bastará “esticar” os músculos? É mesmo isso que acontece? Ou sequer o que se pretende?


Será que os alongamentos… alongam?

A verdade é que, ao contrário do que o nome indica, os alongamentos não alongam. Não da maneira como todos nós os realizamos.

Muitos dirão que se sentem mais soltos, mais livres, mais flexíveis, mais “tudo”… E é verdade. Contudo é virtual. O que provocamos dentro dos músculos, cada vez que alongamos, é influenciar 2 estruturas microscópicas que se chamam Fuso Neuromuscular e Órgão Tendinoso de Golgi. Não entrando em complexidades, elas são responsáveis por controlar a quantidade de tensão em que o músculo está e quanto lhe é permitido esticar.

Portanto o resultado do alongamento é uma espécie de “reset” no Sistema Nervoso, que vai dizer ao músculo que este pode manter-se esticado daquela forma, sem problema. Colocando uma régua no músculo para ver quanto mede, mostrará exactamente os mesmos centímetros antes e depois de alongar, mesmo que os faça regularmente.

A única forma de efectivamente alongar, i.e. esticar o músculo permanentemente, é aumentar o tempo que se o mantem numa posição esticada. E provavelmente vai surpreender-se. São necessários à volta dos 20 minutos, ou mais. A partir daí já é possível haver deformação do tecido muscular. 20 (!) minutos. Muito longe dos 20, 30 segundos ou 1 minuto que normalmente todos alongam.




Então não vale a pena alongar da forma habitual? 

Obviamente que vale. Tem benefícios do ponto de vista neurológico, e até da dor concretamente. Depois de muito utilizado (e.g. depois de treinar no ginásio ou ao fim de um dia de trabalho sentado quase sempre na mesma posição), o músculo vai apresentar-se mais tenso, porque foi muito solicitado e/ou mantido na mesma posição por longos períodos de tempo. É importante enviar-lhe informação através do seu alongamento, de que pode relaxar e mais importante, que aquela posição (alongada) é a posição normal para estar. 

Além disso, alongar momentaneamente, cria espaço entre os tecidos que está por baixo da pele (outros músculos, fáscia, ligamentos, osso), o que pode providenciar uma diminuição da dor se estes estiverem comprimidos devido a inchaço (edema) de uma inflamação, por exemplo. 

E deve-se alongar sempre antes do exercício físico, ou depois? 

Vamos por partes. Antes de mais, da mesma forma que nunca alongar é prejudicial, alongar sempre também o pode ser. É necessário perceber que o alongamento implica esticar tecidos biológicos – músculos, tendões e não só. Portanto se estes estiverem frágeis, seja porque, por exemplo, susteve uma pequena rotura, ou porque acabou de ser submetido a um esforço tremendo, talvez não seja boa ideia no imediato. 

Se se deve alongar antes ou depois do exercício, já é uma outra história. Existem 2 tipos de alongamento: o estático e o dinâmico. E como estamos a discutir aqui o 1º tipo, o estático, não nos vamos desviar desse foco. E portanto, antes do exercício, não; não se deve alongar dessa forma. Não entrando em explicações complexas, influência negativamente a performance e aumenta o risco de lesão.




Depois de praticar exercício, depende. Se o esforço foi muito intenso, sobretudo se prolongado no tempo, o risco de lesão a posteriori aumenta enormemente. Além do mais há evidência que sugere que a recuperação pode ser mais demorada nestes casos. Se o esforço foi doseado, um dia de treino ao nível mais habitual, então toca a “esticar”, não haverá problema. 

Sempre alonguei antes e depois de fazer desporto e nunca tive problemas! 

Perfeitamente possível. As linhas que escrevi atrás são somente baseadas na minha experiência clínica e na evidência científica mais actual que disponho. Obviamente, elas não são a verdade absoluta. E existirão (e existem) sempre pessoas a fazer diferente e não terão necessariamente problemas. 

Mais importante que isso, é entender a pessoa. Os atletas, sobretudo em algumas modalidades específicas, têm rituais próprios antes de jogar ou treinar, e alterá-los pode dar mau resultado, sobretudo se não há estrita necessidade de o fazer. E como diz o ditado, “Em equipa que ganha, não se mexe”.


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