As Cores do Efe-Erre-A


Nunca tinha ido a uma Queima das Fitas, nem por aqui pelo meu burgo e, muito sinceramente, também nunca sequer tinha pensado em ir à de Coimbra, considerada “a” Queima por excelência do nosso Portugal. Mas porque um amigo lá quis ir, pois passam 20 anos desde que se formou no primeiro numa catrefa de cursos e pós-graduações – algo que ainda hoje não percebo como é possível fazer – lá nos pusemos a caminho!




Assisti, assim, num evento que, por um lado confirma que o mercado dos estudantes está bem obrigado, dado o número crescente de Universidades, Faculdades e Institutos que aquela cidade oferece em termos de ensino, num conjunto de instituições que, infelizmente e em face do que se perspectiva no nosso Portugal do presente e próximo futuro, os tenta preparar para um destino mais imediato que não se antecipa nada fácil. 

Mas na capital nacional dos estudantes e mesmo com esse futuro repleto de pontos de interrogação para a grande maioria, esqueceram-se as amarguras de vários anos de cabeça entre os livros, nas nuvens ou noutros recantos, e montou-se um evento singular, o “Cortejo dos Grelados” (também conhecido como “Cortejo dos Quartanistas”, ou “Cortejo da Queima”), maioritariamente composto por um desfile de carros decorados com flores de papel nas cores dos respectivos cursos e fitas das pastas.




Atravessa a cidade, desde a Alta Universitária, frente à secular Porta Férrea da Universidade de Coimbra, descendo até ao largo da Portagem, paredes meias com o Mondego, onde muitos estudantes já chegam bem ‘regados’ – alguns demais, até… – ensopando o muito álcool que todos os carros levam a bordo e distribuem amiúde, das mais variadas maneiras. À sua volta é uma enorme moldura humana que os aplaude, incentiva, lhes dá os parabéns pelos feitos alcançados, numa enorme festa que simboliza um agradecimento à cidade por todos os momentos da sua vida académica. “É um dos eventos mais marcantes na vida de um estudante de Coimbra”, dizia-me, orgulhoso o meu amigo Miguel, ele que há 20 anos não via os espaços que foram seus durante cinco da sua vida académica e que, de voz embargada pela emoção, me tentava explicar tudo o que nos rodeava, os diferentes edifícios das várias universidades e dos serviços de apoio, a estátua do Rei D. Dinis, fundador da Universidade, frente à “Escadaria Monumental”, com 125 degraus (cinco lanços, de 25 degraus cada, que devem ser subidos de uma só vez), encimada pelas denominadas “Bolas de D. Dinis”, associadas a uma lenda que diz que só cairão do seu pedestal quando por elas passar uma estudante que se forme ainda virgem! Elucidativo. Quando passámos a Porta Férrea, agora em trabalho de restauro, e entrámos no Pátio da Universidade, acho que até vi uma lágrima ou outra…!




Para mim, visitante de ocasião, as perguntas sucediam-se, algumas delas à frente de uma cerveja no Café Couraça, servidas à mesa por uma curiosa estrutura multi-copos em madeira. Toda uma rotina que envolve uma série de eventos académicos que típicos, não tendo sido vividas, são difíceis de decorar numa única sessão. 

Da Serenata Monumental, que tradicionalmente abre a Semana da Queima, ao significado do traje, o traçar da capa, os símbolos e pins que nela podem ou não ser cosidos, as próprias cores dos diferentes cursos ou o gritado a plenos pulmões “efe erre a”. “São agora muitas mais cores do que no meu tempo. Algumas nem sei de que cursos são! Também os ‘efe erre a’ não foram tão constantes quanto isso” – dizia-me o, algo admirado, ex-finalista, fazendo a ponte com a sua realidade de há duas décadas! Depois as repúblicas com as suas regras específicas, as praxes, os rasganços (em que se corta a totalidade do traje da/do finalista, deixando-a/o como veio ao mundo, tendo apenas a capa para se cobrir), a cartola, bengala e flor na lapela na cor do curso, a queima do grelo (a ponta das fitas, num panelão de ferro com brasas dentro) ou mesmo o trabalhão que dá preparar o carro para este desfile de final de curso, processo feito ao longo do último ano, envolvendo apoios diversos… Enfim, um sem número de realidades e situações que só vividas durante o tempo de estudante na cidade assumem um ver verdadeiro significado e orgulho pessoal!




Voltando ao cortejo, mais de 80 carros desfilaram cidade abaixo, entre eles o nº 17, de Bioquímica, encimado por um grupo de estudantes, que deixava o meu amigo particularmente orgulhoso, com um sorriso gigante, saudoso do tempo que, ele próprio, estivera naquela posição de quartanista. Encimado por uma estrutura em madeira e flores de papel, ilustrando a frente do Parlamento luso, tinha como título “Enzima Delas e Deles”, trocadilho direccionado para os nossos governantes, como tantos outros recados transversais às diversas estruturas sobre rodas, apontando aos mais diversos quadrantes, locais, governativos ou simples brincadeiras de ocasião. Outros títulos curiosos: “Erro Crato”, “(A)Salazariados”, “Apolvorados pelo Sistema”, “BESperados”, “Monstro do Loch Lex”, “Penhor dos Anéis”, ou os trocadilhos de cariz mais sexual “Pilatões e Aristetas”, “Queres Cometa” e “Computas e Compilas”! A título de curiosidade, este ano, por questões de reestruturação do denominado Código da Praxe, o curso de Medicina não teve carro no desfile, eles que, normalmente, dividem as vitórias de “melhor carro” com os rivais de Direito. Para baralhar as coisas parece que o grande vencedor do Cortejo deste ano foi a Faculdade de Farmácia, não só levando o carro nº 9, com o título de “Heruína”, ao 1º lugar, como também assegurou o 2º, com o “Metil-o-Todo” (nº 37), batendo as restantes viaturas inscritas neste concurso. Mas os meu parabéns vão mesmo para todos!




Resta dizer que Coimbra é uma cidade fantástica, com muito para ver para além da componente histórica associada ao meio estudantil. Destaco o Mosteiro de Santa Cruz, onde repousam os restos mortais de D. Afonso Henriques e de D. Sancho I, o Mosteiro de Santa Clara a Velha, orgulho da Rainha Santa Isabel que à causa se dedicou, e mesmo a versão Santa Clara a Nova, construída para fugir às inundações do Mondego, entre outras infra-estruturas. 

Em termos gastronómicos, para se comer bem e em conta, do lado dos estudantes sugiro o Café Sé Velha, onde me deliciei com um arroz de polvo espectacular! Do outro lado do rio procure pela Tasquinha da T’Irene, não se vai arrepender! Repasto delicioso e bem servido, numa típica tasquinha, com dois dedos de conversa com a T’Irene e as suas inúmeras histórias de 37 anos a bem servir. Então com o vinho da casa, servido em copos pequeninos… ui! Seguiam-se… as histórias e o conteúdo!




Para terminar, destaco o portal com a candidatura da Universidade de Coimbra Alta e Sofia junto da UNESCO para a sua certificação como Património Mundial da Humanidade. Cliquem no link e enriqueçam-se com toda a história e todos os detalhes deste projecto que o Mundo deve preservar. 

Cumprimentos distribuídos irmãmente e até breve! 

José Pinheiro 

Notas: 1) As opiniões acima expressas são minhas, decorrentes da experiência no sector e de pesquisa de várias fontes. Os restantes membros deste ‘blog’ não têm obrigatoriedade de partilhar dos mesmos pontos de vista; 2) Direitos reservados das entidades respectivas aos ‘links’ e imagens utilizados neste texto, conforme expresso.

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