HOJE CASO CONTIGO, AMANHÃ LOGO SE VÊ


Sabia que o seu SEAT já não é 100% espanhol e que, apesar da sua alma manter toda a dinâmica latina do país vizinho, os seus conteúdos são maioritariamente alemães? E que o novo Citroën C3 a gasolina que acabou de comprar tem um motor de origem BMW? E que esta marca francesa divide muito com a sua ‘meia-irmã’ Peugeot? E que até uma marca de luxo como a Bugatti partilha peças com a não menos conceituada Audi? E que alguns Volvo e Jaguar têm componentes da Ford? E que há modelos Fiat com chassis da Opel? E que… e que…

Pois é! Fruto dos acordos e desacordos, aquisições e vendas de participações, falências e afins nuns e noutros, os maiores construtores do sector automóvel surgem hoje sob uma bandeira que, na maior parte dos casos, é tudo menos a original. Longe vai o tempo em que os automóveis eram 100% feitos ‘em casa’ com conteúdos próprios, mas o aumento dos custos de produção e de desenvolvimento, bem como o lucro que as várias marcas – nomeadamente as mais valiosas – têm associado à sua imagem, levaram a que se fundissem, juntassem, comprassem ou outras soluções que permitam, no seu todo, diminuir a factura.

Assim sendo, o discurso “o meu carro é um X porque não gosto da marca Y”, ou se é de um determinado país porque se tem algum preconceito com outro, o mais certo é ter, efectivamente, comprado algo de que não gosta, sem que o saiba. De facto tem a carroçaria do automóvel que lhe agrada aos olhos, mas – sem o saber – também tem mecânicas do outro de que não gosta e que diz que nunca compraria. Pois é… mas, de facto, até comprou!

O mapa seguinte é espelho dessa realidade. Prepare-se para o embate: 

Gráfico: Car Magazine 

Parece-se com a rede de metro londrina e foi publicado já no ano 2010 pela revista britânica Car Magazine, mostrando à altura todos os acordos da indústria automóvel. Serve apenas pala ilustrar o tema, pois em três anos muitos mais acordos surgiram e desvaneceram-se, não dando os resultados previstos pelas partes.

Mas, apesar das adversidades do sector, há marcas que se mantém orgulhosamente (quase) sós, vivendo dos seus próprios conteúdos, embora já piquem aqui e ali algumas soluções de outros construtores – mediante acordos, ‘joint-ventures’ ou cedências de direitos – para os seus modelos. Tal é verdade para a maioria das marcas orientais, como a coreana Hyundai ou as japonesas Honda, Toyota e Mazda, esta última entretanto livre das ingerências da Ford, mas prestes a associar-se ao Grupo Fiat. Já a Nissan está hoje intimamente associada à Renault.

Outras têm investido forte e lutam pela conquista do título de “O Maior Construtor do Mundo” do sector automóvel, como é o caso do colosso alemão Volkswagen AG (simplesmente VW ‘para os amigos’) que destronou a – pensava-se – imbatível General Motors norte-americana. Hoje tem nada menos do que 12 marcas no seu portfólio, variando as percentagens de acções detidas: a própria marca VW (de passageiros e comerciais), a Audi e a Porsche (todas de origem alemã), a espanhola SEAT, a checa Skoda, a britânica Bentley e as italianas Bugatti e Lamborghini, para além dos construtores de veículos comerciais pesados MAN (alemão) e Scania (sueco) e também de motos, com a recente compra da italiana Ducati! 

Foto: Grupo VW  


No extremo oposto temos os outrora “Gigantes de Detroit”, Ford Motor Company, General Motors e Chrysler Group, que hoje têm uma muito menor expressão no panorama dos produtores automóveis mundiais. Renascidas das quase pronunciadas falências (só a Ford soube evitar o recurso à ajuda financeira do governo dos EUA), as três vivem realidades distintas. Hoje a Ford aposta quase a 100% em si, fazendo acordos esporádicos com outros construtores em domínios específicos, longe dos tempos áureos em que o grupo integrava as marcas de luxo britânicas Jaguar e Range Rover (entretanto vendidas à indiana Tata) e Aston Martin (agora nas mãos de num consórcio internacional), ou ainda a gestão e 1/3 das acções na Mazda. Detém a americana Lincoln, que não tem grande expressão na Europa. A General Motors já esteve ligada ao Grupo Fiat, mas mudou agulhas e acelera a plena implementação da aliança internacional com o Grupo PSA Peugeot Citroën. É dona da Opel (vendida como Vauxhall em Inglaterra) na Europa e a Chevrolet e Cadillac nos EUA, entre outras de menor expressão por cá. Falhado o acordo acima, a Fiat está a finalizar uma ‘merger’ com a Chrysler, apostando esta no mercado americano e os italianos no resto do mundo, adquirindo ambas acções da outra, passando-se a vender nos vários continentes alguns dos seus automóveis sob os ‘logos’ das duas marcas. Na Europa a Fiat divide-se entre modelos de passageiros da própria marca e também da Lancia, Alfa Romeo, Abarth, Ferrari e Maserati, mais os comerciais Fiat e Iveco.

A título de curiosidade, recorde-se o acordo feito em terras lusas em 1991, quando a Ford e a VW criaram a AutoEuropa, num acordo ‘fifty/fifty’. Num salto qualitativo e quantitativo para o país enquanto produtor automóvel, ali se produziam os monovolumes Ford Galaxy, Seat Alhambra e VW Sharan, que quase só se distinguiam pelos logótipos das marcas neles colocados. Tudo o resto eram exactamente iguais, sem tirar nem pôr! Mas os clientes eram fiéis às marcas. Gostavam de um, não gostavam dos outros. Eram iguais, mas não interessava! A partir de 1999 a Ford saiu do projecto e a AutoEuropa passou a ser detida em 100% pelo construtor alemão.

Enfim, podia estar aqui com um testamento, que seria insuficiente para dizer que A comprou B, que vendeu X por cento das suas acções a C e que se associou a D e que partilha uma fábrica com E e F, que por sua vez cede motores a G e vende carros da marca H, gastando todos os símbolos dos diversos alfabetos e abecedários à face da Terra, pontuações e ‘wingdings’, o que, ainda assim, não era suficiente para as descrever a todas. 

Confuso/a? Não esteja! Em resumo, quando de manhã olhar para o seu Dacia, pense que pode ser dono de um Renault ou de um Nissan, que se pensar comprar um Mini, a mecânica é, decerto, da BMW, ou se tiver um Kia, ele poderá ter algumas peças da Hyundai, ou como o pequeno Toyota do vizinho tem tantas semelhanças com o Citroën do seu filho, ou… 

Cumprimentos distribuídos irmãmente e até breve!

José Pinheiro

Notas: 1) As opiniões acima expressas são minhas, decorrentes da experiência no sector e de pesquisa de várias fontes. Os restantes membros deste ‘blog’ não têm obrigatoriedade de partilhar dos mesmos pontos de vista; 2) Direitos reservados das entidades respectivas aos ‘links’ e imagens utilizados neste texto, conforme expresso.

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