Um Pouca Terra de Sangue Azul


Não é bem o seu sangue que é azul – embora seja herdeiro do Trem Real de 1898 – deste republicano de 24 pares de rodas que têm viajado por algumas linhas da rede ferroviária nacional. Falo-lhe do Comboio Presidencial Português, composição distinta que, como alguns das/dos minhas/meus leitores viram nos telejornais, fez a sua mais recente viagem a 30 de Setembro último na Linha de Cascais, ligando os cerca 25 km que separam a estação desta multicentenária vila da gare terminal do Cais do Sodré, em Lisboa.


Entre os festejos desta sua mais recente viagem – integrada nos festejos dos 125 anos da Linha de Cascais e dos 650 da vila com o mesmo nome – e, por oposição, o desagrado dos que viram a sua ida matinal para o trabalho/escolas algo afectada pela supressão de comboios, alterações de horários e outros condicionamentos, a coisa fez-se. Visitas, nomeadamente escolares e de entidades oficiais, ao interior da composição, nas duas estações terminais, e a própria viagem, com vários distintos convidados a bordo, marcaram um dia diferente naquele trajecto que todos os dias recebe milhares de viajantes, entre turistas e comuns utentes. 

Pintada de azul e branco e puxada pelas mais diversas locomotivas, em especial pela também azul CP 1424, a composição em tempos serviu os altos interesses da República, está agora a ser explorada pela Fundação Museu Nacional Rodoviário (FMNR). Ah pois… e, em face de tantas rodas, o Trendy Wheels foi investigar, ‘descobrindo’ que coube a esta última todo o trabalho de recuperação e restauro das seis unidades que desde 1930, compõem o conjunto.


Três dos vagões remontam a 1890, concebidos pela empresa francesa Désouches David & Cie para o Trem Real da coroa portuguesa, então com os pomposos títulos de Salão Real, Salão dos Ministros e Salão Restaurante. Com a proclamação da Republica, transformou-se no Comboio Presidencial Português, sendo os vagões adaptados em conformidade, dando origem a uma primeira variante da composição que, desde 12 de Dezembro de 2013, faz turismo por Portugal continental. Mantiveram-se os vagões Restaurante (referência SRyf 2) e dos Ministros (Syf 4), juntando-se-lhe um ‘novo’ para a Comitiva e Segurança (Syf 3). Em 1930 juntou-se-lhe um novo vagão para servir de Salão do Chefe de Estado (Syf 5), da autoria dos alemães da Linke-Hofmann Busch, num ano em que os belgas da Nicaise & Delcuve também produziram a Carruagem dos Jornalistas (A7yf 704) e os da Baume & Marpent um Vagão (Dyf 408) para apoio e transporte de bagagens. 

Desmembrado em 1970, após a última utilização conhecida como veículo oficial – o funeral de António Oliveira Salazar – renascia das ‘cinzas’ em 2010, do quase total abandono em que se encontravam algumas das partes, quando a FMNR entrou com uma candidatura para a sua recuperação e restauro. Fê-lo, em termos mecânicos e técnicos, mas também patrimoniais, recuperando as suas valências e valores histórico-culturais, reintegrando interiores, recuperando revestimentos e equipamentos, reproduzindo alguns dos objectos que nele eram habituais, com base no descritivo existente.

Fotos: FMNR e Câmara Municipal de Cascais (Facebook)
Um extenso trabalho que teve como resultado este fantástico conjunto que alguns puderam testemunhar em Cascais e no Cais do Sodré – ou noutras linhas do nosso Portugal ferroviário – e que também é, de algum modo, expresso nas imagens de suporte a este texto e neste vídeo:



Caso tenha aguçado a sua costela de conhecimento e queira agora saber mais sobre esta invulgar composição, convido-o a fazer uma viagem pela história, lendo esta brochura da FMNF, em que se descreve todo o processo. Boa viagem!

Cumprimentos distribuídos irmãmente e até breve!

José Pinheiro

Notas: 1) As opiniões acima expressas são minhas, decorrentes da experiência no sector e de pesquisa de várias fontes. Os restantes membros deste ‘blog’ não têm obrigatoriedade de partilhar dos mesmos pontos de vista; 2) Direitos reservados das entidades respectivas aos ‘links’ e imagens utilizados neste texto, conforme expresso.

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